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Empresas com exposição ao mercado americano demandam mais D&O

Beautiful aerial shot of Bogota, Colombia

Nem sempre é fácil para as empresas latino-americanas conseguir financiamento nos seus países de origem. Por esse motivo, muitas optaram, nos últimos anos, por buscar recursos nos mercados de capitais dos Estados Unidos.

Empresas tecnológicas como o banco digital Nubank, a varejista Mercado Livre e o grupo de meios de pagamento DLocal escolheram Nova York para realizar seus IPOs. Mais de 75 grupos brasileiros já emitiram os títulos conhecidos como American Depositary Receipts, ou ADRs, nos EUA, assim como vários de seus pares no México, Chile e outros países. Centenas de empresas de toda a região venderam títulos de renda fixa nos EUA ou realizaram colocações privadas de dívida junto a investidores americanos.

Não é difícil de entender a lógica que existe por trás de tais escolhas. Os mercados de ações americanos somavam $48 trilhões no final de 2022, o equivalente a 42% do total global. Na renda fixa, o volume é similar, representando 39% do mercado mundial. O fato é que os mercados de capitais dos EUA oferecem níveis de liquidez que não têm igual em todo o mundo, ademais de segurança legal e muito apetite por risco.

Eles também expõem as empresas emissoras a um risco muito alto de ser levadas à Justiça em milionárias ações coletivas.

A agência reguladora dos mercados de capitais americanos, conhecida pela sigla SEC, é uma entidade ativista que pode ser muito rigorosa na fiscalização de empresas emissoras, aplicando pesadas multas às que não cumprem com suas obrigações regulatórias. Os chamados whistleblowers, que denunciam irregularidades em suas organizações, são regiamente recompensados por botarem a boca no trombone. E acionistas minoritários não têm medo de juntar as forças para lançar ações coletivas contra empresas quando creem que perderam dinheiro devido a más decisões de seus gestores.

As multas da SEC e as compensações a investidores podem custar dezenas de milhões de dólares às empresas e seus dirigentes. Tudo isso coloca muita pressão sobre os líderes de companhias latino-americanas que possuem exposição aos mercados americanos, mas podem não estar acostumados a estar debaixo de tanto escrutínio em seus mercados domésticos.

“Os administradores se expõem a mudanças regulatórias complexas que possivelmente não conseguem entender completamente, já que suas sedes não estão em Nova York ou Boston, mas em Bogotá, Buenos Aires ou São Paulo,” diz Mario Andrade, o líder de Linhas Financeiras na Lions Gate, um coverholder do Lloyd’s londrino baseado na Cidade do México. “É verdade que a informação viaja muito rapidamente hoje em dia, mas este tipo de coisa demora um tempo para ser absorvida e compreendida. Quando isso acontece com uma empresa latino-americana, é porque já há uma investigação ou punição em andamento.”

Para garantir que seus líderes durmam bem à noite, um número crescente de empresas na região está adquirindo coberturas adicionais para seus programas de seguros D&O para transferir os riscos de litígios legais nos EUA. No entanto, tais coberturas são negociadas com preços e condições mais típicos do mercado americano, incluindo franquias que começam com $5 milhões.

“No Brasil, a empresa tem seus riscos operacionais, tributários, trabalhistas, ambientais etc, além dos riscos ligados ao órgão regulador ao qual ela reporta. De repente, ela passa a ter uma exposição. Estados Unidos, somada a tudo isso que ela tem no Brasil. Então o limite que ela contratava antes certamente não é mais adequado,” afirma Juliana Casiradzi, a líder de FINPRO na Marsh do Brazil. “A apólice tem uma franquia específica para o risco Estados Unidos, que é um risco mais agraviado. A empresa tem uma participação sob forma de franquia.”

O objetivo principal do produto é cobrir os custos de defesa em uma ação judicial, que nos Estados Unidos podem facilmente chegar a vários milhões de dólares, observa Casiradzi. Quanto maior for a empresa, maior tende a ser o valor gasto com advogados, peritos forenses e outros serviços, uma vez que os valores são calculados de acordo com o valor de mercado da companhia. Casiradzi observa que as seguradoras muitas vezes tentarão negociar um acordo fora do tribunal entre as partes com o fim de reduzir o custo final do sinistro.

Diferentemente do que ocorre no mercado brasileiro, onde algumas multas regulatórias podem ser cobertas, é mais difícil cobrir sanções da SEC. Outra exclusão comum para empresas da América Latina diz respeito a atos de corrupção. Isso ocorre especialmente desde a irrupção de escândalos recentes como a Operação Lava Jato.

“A seguradora sempre vai procurar qual foi a origem de uma ação coletiva. Por exemplo, nós temos muitas empresas no Brasil com exclusão de atos de corrupção; após a Lava Jato, muitas têm renovado seus seguros com ela,” diz Casiradzi. “A seguradora vai sempre olhar qual foi o fato gerador inicial para que ela aplique, se possível, essa exclusão.”

De acordo com corretores, existe capacidade local no mercado brasileiro para este tipo de risco, embora não seja suficiente para construir as torres de D&O que são necessárias. Casiradzi estima que cerca de cinco seguradoras podem participar com até $30 milhões de capacidade. Para atingir limites que por vezes chegam a ser seis vezes superiores, os compradores têm que recorrer aos mercados de Londres e, com maior frequência nos últimos anos, ao de Miami.

Os corretores também afirmam que o mercado latino-america ainda não foi totalmente integrado ao processo de afrouxamento das condições do segmento de D&O que já está ocorrendo nos EUA e na Europa. Por isso, a estruturação de programas para riscos no mercado americano continua sendo um desafio. Este é o caso mesmo quando se negocia capacidade local, que é fornecida por subsidiárias de grupos seguradores internacionais.

“As seguradoras passaram a ter uma seriedade muito maior na análise deste risco. Basicamente as operações locais no Brasil perderam autoridade. As cotações passaram a ser submetidas para outros escritórios, o processo passa para Miami, Chicago ou Nova York,” diz Renato Perosa, líder do setor de Linhas Financeiras na Aon Brasil. “Houve uma perda de autonomia nas seguradoras daqui, e isso invariavelmente faz com que o mercado dê condições mais duras. Fica tudo mais difícil em termos de compreender a situação e ter flexibilidade.”

Ele ressalta que a região ainda não está vendo, por exemplo, renovações com quedas de até 30% nos preços, o que já aconteceu nos Estados Unidos. As empresas que possuem os chamados ADR de nível III, que estão sujeitos a maior escrutínio da SEC, tendem a tardar mais para se beneficiar de reduções de preços. O mesmo ocorre com grupos com maior valor de mercado, empresas que passam por processos de fusão e aquisição e aquelas que têm históricos de sinistros ruins. Grupos em atividades como mineração, tecnologia e tecnologias de saúde também encontram dificuldades para colocar seus riscos de D&O nos EUA devido aos elevados níveis de litígio em seus setores.

 

Por outro lado, os corretores dizem que já estão desfrutando de um pouco mais de margem para negociar melhores condições para seus clientes. Segundo Perosa, o foco no momento é na redução dos custos dos programas de D&O, que dispararam durante o mercado duro dos últimos anos.

“A redução de franquias não parece ser o foco atual dos clientes. Depois de ter o seu prêmio sobretaxado por tanto tempo, a prioridade tem sido obter melhores taxas,” afirma ele.

Casos recentes como a multa de $56 milhões que a SEC aplicou à Vale pelo desastre de Brumadinho vêm alimentando a percepção dos riscos a que as empresas estão expostas nos EUA. O caso mostra que um evento não precisa nem mesmo ter lugar no território americano para despertar os instintos da SEC.

E não é o único caso que causou arrepios a gerentes de risco nos últimos anos. Andrade cita o episódio em que a Toshiba, uma empresa japonesa, foi alvo de uma ação coletiva de investidores apesar de só ter emitido os chamados ADRs não-patrocinados, que têm os níveis mais baixos de obrigações com a SEC. O mercado acreditava que este tipo de ADR não representava risco, mas o pedido da empresa para que a ação fosse abandonada acabou sendo recusado pelo juiz.

Portanto, mesmo empresas que se creem isentas de riscos de litígio nos EUA podem acabar se vendo em situações complicadas em algum momento.

“Foi estabelecida uma jurisprudência nos EUA segundo a qual, independentemente do perfil da companhia estrangeira participante nos mercados de capitais, ela pode estar sujeita a riscos que não esperava,” diz Andrade. “Além disso, a exposição das empresas latino-americanas a tais riscos é muito elevada, já que seus sistemas de compliance não são tão sofisticados quanto os de companhias da Europa ou da América do Norte.”


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