Ao mesmo tempo, o mercado precisa se adaptar a um ambiente tecnológico que muda sem parar, e, para completar, deve usar seu músculo financeiro para incentivar a transição para uma economia sustentável.
Estas são algumas das principais lições tiradas da 32ª conferência da AMIS, a associação mexicana de seguros, realizada na capital do país.
Durante os dois dias do evento, que ocorre anualmente, uma série de debates enfatizou a brecha de proteção que existe no mercado local. Entre outras estatísticas pouco animadoras, a penetração de seguros no México mal atinge 2,6% do PIB, um nível baixo até mesmo na comparação com outros mercados latino-americanos, e só 21% dos mexicanos possuem um seguro de saúde privada. Além disso, só uma de cada quatro pessoas tem algum tipo de apólice de seguro, e apenas 0.8% do total de prêmios se refere a produtos de microsseguros, que são vistos como essenciais para introduzir ao mercado segmentos vulneráveis da sociedade.
Com tais estatísticas em mente, o presidente da AMIS, Juan Patricio Riveroll, disse durante o evento que a atração de novos clientes deve estar no topo da agenda do setor segurador.
“A inclusão financeira deve ser uma prioridade para o nosso país, e o setor segurador deve ter um papel preponderante,” afirmou.
Em seu discurso, Riveroll destacou iniciativas levadas a cabo pelo setor para aumentar a penetração e inclusão financeiras. Um exemplo é o Projeto Minerva, que oferece aulas gratuitas de finanças pessoais para mulheres. Ele expressou otimismo de que avanços tecnológicos como a digitalização, a inteligência artificial e o blockchain serão de muita valia para promover uma maior inclusão financeira.
Este trabalho também pode ser ajudado por melhorias regulatórias. O governo mexicano aprovou recentemente novas regras para os microsseguros que permitem à indústria desenhar produtos mais adequados às necessidades de seus clientes, especialmente em setores atualmente desassistidos pelas seguradoras. Mas outros participantes da conferência observaram que as seguradoras também precisam mostrar mais disposição em fazer uso de tais ferramentas.
“Eu atribuo muita responsabilidade às empresas de seguros pela desatenção que se dá atualmente às populações mais vulneráveis,” disse Ricardo Ochoa Rodríguez, presidente da Comissão Nacional de Seguros e Cauções (CNSF), o regulador do mercado mexicano. “Na regulamentação não existe nada que impeça que se elaborem produtos fáceis de vender, fáceis de cobrar e fáceis de entender.”
Ele fez apelo para que as seguradoras zelem não só pelos interesses de seus acionistas, mas que também mostrem um compromisso mais firme com o desenvolvimento social.
Por seu lado, Héctor Santana Suárez, chefe da Unidade de Seguros, Pensões e Previdência Social da Secretaria da Fazenda do México, disse que a baixa participação dos microsseguros no mercado reflete uma falta de interesse das seguradoras por esses produtos. Ele também criticou os elevados níveis de concentração de mercado em alguns segmentos, como os seguros de crédito ligados à concessão de empréstimos, e a baixa diversificação mercadológica do setor.
“Trata-se de um setor que está praticamente concentrado em um par de empresas, e esse é um tema que vamos ter que examinar,” afirmou. “Além disso, a participação das mulheres (no mercado) continua muito abaixo do que seria desejável.”
Para Santana, o mercado precisa esforçar-se para lançar contratos de mais fácil compreensão para os consumidores. O que leva a outro desafio enfrentado pelas seguradoras mexicanas: ganhar a confiança da população.
“Consideramos que há alguns fatores que afetam a confiança dos consumidores, e um deles é a reputação das empresas,” observou Ochoa. “A reputação tem muito que ver com a capacidade e a habilidade das empresas em honrar os compromissos assumidos. Outro fator é a compreensibilidade do produto.”
Executivos mencionaram diversas vezes durante a conferência que o setor mostrou seu valor durante a pandemia, quando pagou quantidades recordes de sinistros sem criar controvérsias como as que foram vistas em outros países.
Mas Oscar Rosado Jiménez, presidente da CONDUSEF, uma agência do governo que defende os interesses dos consumidores de serviços financeiros, alertou que os segurados têm uma percepção muito diferente de suas experiências com as empresas de seguros.
“Em 2019, nós atendemos 37% de todas as reclamações feitas pelos segurados, e as seguradoras lidaram com 63%. Em 2021 e 2022, as proporções se inverteram, e na prática viramos o balcão de atenção ao cliente do setor de seguros,” afirmou. “Enquanto esta situação persistir, o tema da penetração de seguros não vai ter futuro. Os clientes estão decidindo apelar diretamente à CONDUSEF, e não às suas seguradoras.”
Rosado contrastou os números do setor com os da indústria bancária, onde apenas 3 de cada 10 clientes recorrem à agência para a defesa de seus direitos. Ele também alertou que um terço de todas as queixas recebidas se refere a serviços administrativos, e não ao pagamento de sinistros. Temas como demoras de pagamento e dificuldades para cancelar apólices estão entre os motivos de queixas mais comuns.
“Isso é extremamente grave e revela má comunicação, serviços de má qualidade etc.,” afirmou.
Mas há maneiras de mudar esta situação. Salvador Alonso y Caloca, CEO da Banorte Seguros, acredita que o mercado pode utilizar a digitalização e a análise de dados através de tecnologias como a inteligência artificial para oferecer aos mexicanos os produtos de que realmente precisam. As novas tecnologias também podem ajudar a reduzir a fricção no processo de aquisição das apólices, mas vão demandar uma série de mudanças no interior das organizações.
“A mudança tem de estar baseada em uma cultural organizacional que nos dê agilidade,” afirmou. “Essas mudanças de cultura têm de ser construídas. Elas precisam ser desenhadas, premiadas e punidas e exigirão um tipo diferente de liderança.”
Mas não é só o mercado de seguros que tem que se esforçar para incrementar os níveis de proteção no México. As políticas públicas também têm o poder de acelerar o processo, ainda que elas não sejam direcionadas ao subsídio direto à compra de coberturas de seguro, disse Manuel Aguilera Verduzco, CEO da MAPFRE Economics.
“O que faz sentido é que as políticas públicas adotem os seguros como instrumentos eficazes para atingir objetivos muito mais importantes,” observou.
Um exemplo é a introdução de seguros de automóveis para cobrir responsabilidade civil em casos de danos a terceiros, algo que está sendo debatido no México e visa aumentar a segurança no trânsito. Outro é a introdução de incentivos tributários para ajudar os consumidores a comprar seguros de saúde, com o fim de reduzir o fardo carregado pelos serviços sanitários estatais.
Há muito potencial para ser desenvolvido no seguro mexicano em termos de integração a políticas públicas. De acordo com a MAPFRE Economics, 31% da penetração de seguros na América Latina pode ser atribuída à ação de políticas governamentais. A porcentagem chega a 67% em Porto Rico e 58% no Brasil, mas fica em apenas 4,4% no México.
Além da inclusão financeira, a reunião anual das seguradoras mexicanas também ressaltou os desafios enfrentados pelo setor para corresponder às expectativas sociais na área de sustentabilidade. Na opinião do subsecretário da Fazenda do governo mexicano, Gabriel Yorio González, o setor, que administra o equivalente a 7,1% do PIB em seu portfólio de investimentos, tem a capacidade de atuar de maneira incisiva no financiamento da jornada rumo a uma economia mais sustentável.
“É essencial que as seguradoras, no seu papel de investidores institucionais, participem ativamente na transição à sustentabilidade,” observou. “Isso se pode fazer incorporando critérios ESG em seus portfólios e diversificando investimentos para ativos de maior qualidade.”