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Seguro contra catástrofes naturais na América Latina

Earthquake Damage, mexico City

O mercado de seguros da América Latina está exposto a uma extensa gama de catástrofes naturais. Além de riscos tradicionais como terremotos na região andina e no México e furacões na América Central e Caribe, uma série de ameaças relativamente novas está ganhando peso nos últimos anos. É o caso das inundações por toda a região e as secas no Cone Sul.

O que falta, porém, são ferramentas de transferência de riscos que poderiam ajudar os países latino-americanos a mitigar o impacto financeiro de eventos catastróficos e acelerar os trabalhos de ajuda humanitária e reconstrução nas áreas atingidas.

A ausência de tais estruturas é um dos motivos por que a penetração dos seguros contra eventos catastróficos segue sendo muito baixa na região. De acordo com a Swiss Re, os países da América Latina sofreram um total de $17,4 bilhões em perdas catastróficas no ano passado. Desse número, apenas $1,9 bilhão, ou cerca de 11%, estava coberto por seguro. Nos Estados Unidos e na Europa, o nível de cobertura foi superior a 58%.

Esquemas de mutualização de riscos catastróficos, como o Consórcio de Compensação de Seguros da Espanha ou grupos administrados pela CCR Re na França ou Flood Re no Reino Unido ajudaram a expandir as coberturas catastróficas nos seus respectivos mercados. Nos Estados Unidos, parcerias entre o setor público e privado, como o Programa Nacional de Seguros contra Inundações, ou NFIP na sigla em inglês, tem um impacto parecido. Um forte mercado de dívida catastrófica, ou cat bonds, também contribui para reduzir os impactos financeiros de furacões sobre famílias e empresas.

Na América Latina, porém, o mercado de seguros e os governos ainda não tiveram êxito em elaborar sistemas de transferência de riscos eficientes, e os cofres públicos são obrigados a bancar praticamente todos os gastos de reconstrução depois de uma catástrofe natural. No entanto, há uma série de experiências na região que mostram como é possível aumentar os níveis de proteção com a participação dos mercados de seguros, de resseguros e de capitais.

O mais recente exemplo foi a emissão, em março, de $350 milhões em cat bonds, acompanhada da colocação de $280 milhões em contratos de swap ligados a riscos catastróficos, por parte do governo do Chile, com o apoio do Banco Mundial. A operação resultou em $630 milhões de cobertura contra perdas catastróficas para o país andino. Michael Bennet, o diretor de Derivativos e Finanças Estruturadas, Mercados de Capitais e Tesouraria no Banco Mundial, afirma que a transação mostrou o interesse dos investidores por este tipo de emissão.

“Nós negociamos os cat bonds e os swaps com uma taxa de 4,75% ao ano, o que corresponderia à parte mais baixa da nossa meta,” diz ele. “O mercado de cat bonds está altamente concentrado nos Estados Unidos. Quando oferecemos riscos de outras regiões, eles representam oportunidades de diversificação para os investidores.”

Os cat bonds foram emitidos na Bolsa de Hong Kong e vendidos para 25 investidores repartidos pela Europa e Estados Unidos. Os contratos de swap foram negociados com um número não divulgado de resseguradoras, 60% das quais estão baseadas na Europa, 36% nos Estados Unidos, e 4% nas Bermudas. A transação vai cobrir um período de três anos a partir de sua conclusão.

Essa não foi a primeira transação deste tipo realizada pelo Chile, um país que já havia operado no mercado global de Investimentos Ligados ao Seguro, ILS, algumas vezes nas últimas duas décadas. A experiência anterior inclui a participação na negociação de um cat bond, em 2019, para cobrir o risco de terremotos no valor de $1,36 bilhão que também contou com a participação do México, do Peru e da Colômbia.

O México é outro país que tem experiência no mercado de cat bonds, e no ano passado renovou a sua parcela de $250 milhões da emissão conjunta feita pela Aliança do Pacífico. Antes disso, já havia recorrido aos mercados de capitais outras vezes para transferir riscos de terremoto e furacões, como em 2020, quando colocou $485 milhões em cat bonds. Em 2021, a Jamaica adquiriu $185 milhões de proteção contra tempestades. E uma experiência mais duradoura é a do CCRIF, um esquema de seguros catastróficos criado para vários governos caribenhos em 2007. O CCRIF recentemente se expandiu para a América Central e também aceitou os riscos de duas empresas do setor elétrico.

Algo que une todas as experiências acima é a participação do Banco Mundial, que tem estruturado ferramentas de transferência de riscos catastróficos para países-membros desde 2007. Mais de $3 bilhões em cat bonds foram emitidos com a ajuda do banco neste período, e, se outras ferramentas como os contratos de swap catastróficos são incluídos, o total passa de $ 5 bilhões, de acordo com Bennett. Governos latino-americanos são os clientes mais habituais do programa.

“Nós utilizamos os cat bonds como um veículo de resseguros que nos permite oferecer cobertura aos governos,” explica Bennett. “Um swap catastrófico é, basicamente, um acordo de resseguros que é documentado sob a forma de contrato de swap.”

O Banco Mundial utiliza essas ferramentas para oferecer coberturas paramétricas para os países-membros, cobrando um prêmio que será pago aos investidores em ILS. Alguns países, como o México ou o Chile, têm a capacidade financeira de custear sua própria parte das transações. Outros, como a Jamaica e os membros do CCRIF, dependem de apoio financeiro de outros governos ou de agências de fomento para dar início aos seus programas.

“Nós não podemos reter riscos seguráveis. Só podemos subscrever uma apólice de seguros para um país-membro se, ao mesmo tempo, tivermos contratada uma ferramenta capaz de transferir totalmente o risco para terceiros,” diz Bennett. “A execução do negócio é bastante simples, pois se trata de um contrato de resseguros com o Banco Mundial. Nós simplificamos a execução o quanto é possível, mas os governos ainda necessitam tomar decisões sobre os parâmetros que vão acionar as coberturas.”

É neste ponto que a operação pode se tornar realmente complexa para muitos governos da região. Muitos carecem de pessoas com suficiente experiência nos mercados de seguros e resseguros, e a definição dos parâmetros pode ser um processo complicado para quem não é especialista.

Por exemplo, o recente cat bond chileno envolveu a elaboração de um quadro de riscos catastróficos que cobre todo o território do país e define se e quando a cobertura vai ser acionada. Esta definição depende de fatores como a profundidade em que se encontra o epicentro do tremor, sua magnitude e a exposição de ativos físicos presentes em cada região em que o quadro está dividido.

Como ocorre com todas as coberturas paramétricas, pode haver casos em que a cobertura não vai ser acionada ainda que importantes danos materiais ocorram após um terremoto ou furacão. Isto é algo difícil para explicar para os eleitores, e algo que os governos podem mostrar-se relutantes em aceitar.

“Os governos têm uma desconfiança natural com relação à indústria de seguros e resseguros. Eles não se importam de pagar fortunas para os bancos de investimento, mas, quando alguém lhes apresenta uma solução de seguro ou resseguros, eles simplesmente dizem não,” afirma Aidan Pope, presidente executivo para a América Latina e o Caribe na BMS Re. “Este é o motivo por que os governos não buscam soluções no mercado de ILS com a frequência que deveriam buscar. A indústria de seguros ainda tem muito o que fazer em termos de educar governos a este respeito."

Um outro desafio está ligado aos dados que vão informar as coberturas paramétricas. O mercado dispõe de ampla informação histórica sobre riscos como terremotos ou furacões no Golfo do México. Além disso, os dados sobre esses riscos são coletados por entidades bem estabelecidas no setor como o US Geological Survey, uma agência do governo americano.

No entanto, riscos cuja frequência está aumentando na América Latina, como as secas e as inundações, tendem a ser mais dependentes de informações coletadas por provedores locais, os quais podem estar sujeitos a conflitos de interesses dos governos que se beneficiarão das coberturas.

“O mercado de resseguros e as agências de modelização de risco se sentem cômodos com o risco de terremoto. Por esse motivo, é mais simples estruturar uma transação baseada no risco de terremoto do que no risco de inundações,” diz Pope. “Uma vez que se começa a combinar diferentes tipos de riscos, as operações se tornam muito mais complicadas e caras.”

Para ele, uma possível solução para expandir o uso de veículos ILS na transferência de riscos catastróficos pode estar nos governos locais, e não tanto nos nacionais.

“Estamos trabalhando em alguns projetos como administrações municipais, onde há menos disputas políticas, e onde há muito mais foco nas necessidades específicas de cada cidade e seus habitantes," afirma Pope.

Os esquemas que estão em vigor na região envolvem valores que não devem ser suficientes para cobrir uma parcela muito grande dos danos causados por um terremoto ou furacão, mas eles podem ajudar os governos a prestar auxílio imediato às regiões afetadas. Esquemas mais completos de transferência de risco catastrófico, porém, seriam necessários para levar os níveis de proteção a algo próximo dos Estados Unidos ou da Europa. Possivelmente teriam que incluir algum tipo de seguro obrigatório contra catástrofes naturais, por exemplo.

Mas a realidade é que este é um tema de que pouca gente está falando na região, algo que se torna ainda mais agudo em tempos econômicos difíceis. No Brasil, a associação de seguradoras CNSeg recentemente lançou a ideia de estabelecer fundos de proteção para seguros agrícolas e regiões carentes que estão expostas a inundações, mas a discussão ainda não saiu do papel. Em outros países, iniciativas similares têm custado a ganhar a atenção das autoridades ou do mercado.

“Temos insistido como governo que é necessário ter um programa de seguros como mínimo para as infraestruturas críticas, o que não acontece hoje,” diz Eduardo Morón, presidente da Apeseg, a associação peruana de empresa asseguradoras.

Ele lamenta o fato de que as conversações sobre o assunto não ganharam fôlego nem mesmo depois do mais recente forte terremoto que atingiu o país, em 2007, quando 514 pessoas morreram. O tremor de magnitude 7,8 que atingiu a Turquia e a Síria em fevereiro foi outro aviso de que a falta de um esquema de proteção financeira mais robusto pode custar caro para o país no futuro. O país europeu enfrenta um difícil período de reconstrução apesar de ter implementado um programa de seguros obrigatórios contra terremotos no final dos anos 1990. No Peru, apenas 3% das moradias, e cerca de 15% dos ativos de infraestrutura, estão cobertas com seguro contra terremotos.

“Lamentavelmente, nossa exposição a catástrofes é similar à da Turquia,” afirma Morón. “Mas ainda não fizemos tanto progresso nesta área quanto a Turquia tinha feito antes do mais recente terremoto.”


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